domingo, julho 26, 2015

Os manuais escolares e os cheques-ensino

O escândalo dos manuais escolares está de volta. Num artigo no jornal Público, é relatado uma situação das famílias que gastam uma média de 200 euros em manuais escolares por filho a partir do 5º ano de escolaridade. Depois de em 2006 ter saído uma lei que determina que os manuais escolares têm 6 anos de duração, esta regra podendo ser quebrada desde que o Ministério da Educação faça revisões de programa ou metas curriculares. O governo fez esta revisão todos os anos nos últimos 3 anos! Também ficamos a saber a partir da leitura deste artigo que o Ministério estabeleceu bolsas de manuais escolares nas escolas para famílias que até então recebiam comparticipações para adquirir manuais. Sé têm direito a esta bolsa quem receba o salário mínimo. No entanto, o ensino é obrigatório, tal como lembra a jornalista. Noutros países da Europa por essa razão os manuais são gratuitos para todos. Aqui e agora, só os pobres têm direito a esta bolsa e à comparticipação na compra de livros que não façam parte dessa bolsa. O que alegam alguns pais entrevistados e a Confap, confederação da associação de pais, é que esta bolsa discrimina de duas formas: primeiro porque aqueles que ganham mais que o salário mínimo não têm acesso; por outro lado, aqueles que a recebam da escola e não diretamente em casa como antes, são estigmatizados na escola por serem pobres. Parece que estamos a voltar à caridadezinha do Estado Novo com os alunos pobres a evidenciarem a sua pobreza perante os outros alunos. Outra medida neste sentido, será a dos cheques-ensino pretendido por este governo para os alunos mais pobres poderem frequentar as escolas privadas. Nestes últimos 3 anos, segundo a Fenprof, tem havido uma transferência de recursos para os privados e em algumas zonas não há alternativa de ensino público. Os cheques-ensino a serem instituídos, eventualmente se o governo ganhar de novo as eleições, será também mais uma medida nesse sentido, além de evidenciarem que o aluno que os recebe e os "carrega" na sua identidade durante todo o período da sua educação nestes colégios. Não é que estes alunos não sejam provavelmente mais bem sucedidos do que se tivessem seguido para o ensino público. Esse é um facto com alguns colégios privados. Mas no ensino, seja público ou privado, não se "apreende" só o que vem nos programas, mas também se recebe uma lição de como ser um ser humano decente e orgulhoso. Ou quererá o governo que o aluno tenha outras qualidades normalmente consideradas importantes pela sociedade católica e submissa do Estado Novo, a submissão, e outros aspetos da personalidade dos jovens, também realçada por poetas de outros tempos: o perdão a quem o humilha, tal como as descreve Rudyard Kipling no poema If (Se) de um pai para um filho. Mas R.K. é de outros tempos, o do imperialismo britânico, e defendia com certeza a abnegação dos mais pobres e mais fracos para que a ordem "natural" das coisas de então se mantivesse a bem do Império.

terça-feira, julho 21, 2015

Cursos do ensino superior para todos os gostos

Mais um ano em que desce o número de vagas no ensino superior acompanhando a descida do número de candidatos. É a tendência dos últimos anos. Há ainda a novidade do Ministério da Educação informar sobre a empregabilidade dos cursos. Os alunos continuam a preferir os cursos que lhes dão emprego, medicina e enfermagem, o primeiro em universidades e o segundo mais em politécnicos. O que se verifica é que muitos dos alunos que vão para enfermagem, já o fazem com a ideia de emigrar. Porquê então que o Ministério aceita tantos cursos e com númerus clausus tão elevados? Não se entende. São recursos do País que poderiam ser empregues noutros cursos, mesmo em cursos que à partida não têm empregabilidade, como o das humanidades. Ao menos estes cursos custam menos ao País por não precisarem dos meios que os cursos de enfermagem precisam. Não há qualquer planeamento de cursos, muito devido à autonomia das universidade e dos politécnicos. Será que a autonomia das universidade e politécnicos deverá determinar quais os cursos a oferecer? Talvez em parte. Mas não deveria também obedecer a uma estratégia nacional? Aliás como se fez em relação aos cursos de medicina. Pelo menos nas engenharias poderia haver mais organização e não depender só da lei da procura e da oferta, como está a acontecer com os cursos de engenharia civil. O governo lava dali as suas mãos, guiando-se pela procura dos cursos, como se os candidatos soubessem quais os cursos mais relevantes para o país. Basta ver quanto alunos se candidatam aos cursos de comunicação, jornalismo, media, etc, para perceber da disparidade da desproporcionalidade entre o número de jornais, canais de televisão e outros media. Ou no caso dos cursos de engenharia biológica ou biologia, a desproporcionalidade entre os candidatos a estes cursos e os empregos disponíveis para este tipo de especialização: indústria alimentar, ambiente, etc. Ou no caso da arquitetura. E haverá muitos mais disparidades como estas. Estamos com um ensino superior dependente dos gostos dos alunos, ou nestes casos, mais das alunas. Que fazer? Penso que se os alunos gostam de tirar um curso que os satisfaçam, e não que o país precise, deviam pagar esse curso, tal como se paga um curso de guitarra ou de culinária gourmet, ou outros (pintura, decoração, etc). Demasiado polémico? Talvez e certamente não exequível. Mas então que o governo tenha uma estratégia de "hair cut" aos cursos repetidos em universidades e politécnicos distantes poucos quilómetros uns dos outros e númerus clausus para cima de 50. Tentou timidamente através da formação de consórcios, começando a norte, mas depressa recuou, ao ser confrontado pelo lobby dos reitores do CRUP. A única boa ideia que o Ministério da Educação teve para o governo superior, nunca saíu do papel! É hora deste ministério dar lugar a outro que tenha mais garra.

domingo, julho 05, 2015

Bolonha e doutoramentos

A propósito de Bolonha, vem a talhe de foice falar de Miguel Relvas. O caso é conhecido: alguém que conseguiu uma licenciatura, em Ciências Políticas, numa universidade portuguesa, a Lusófona, por lhe ter sido atribuídas equivalência a grande parte das UCs (disciplinas) com base no seu currículo de político. Diz o Professor Alberto Amaral que se a moda pegasse bastava a alguém trabalhar num stand da Renault para obter a licenciatura de engenheiro mecânico. Está bem visto. Bastaria a alguém trabalhar numa empresa têxtil para ter uma licenciatura em engenharia têxtil? Talvez. Os exemplos seriam muitos. O caso de Relvas está em tribunal para se averiguar da sua legalidade. Mas independentemente da sua legalidade, há alguém que aceita este estado de coisas? De que serve a legalidade formal de um diploma se o diploma não vale nada? E se não vale nada pode-se concluir que as outras licenciaturas da Universidade Lusófona também não valem nada? Com certeza que não! Onde eu quero chegar é à generalização que se pode fazer de casos tristes em que a Universidade facilita, ou para ganhar alunos, ou compensações de outra ordem. Preocupa-me um pouco o facilitismo que se apoderou das Universidades desde que as licenciaturas e doutoramentos de Bolonha passaram a vigorar. E não se pode atribuir tudo a Bolonha. Mas uma vez que o facilitismo se instala, já não se distingue se é de Bolonha ou não. Por exemplo, doutoramentos em conjunto com outras Universidades que por não terem uma especialidade numa determinada área, formam os seus docentes nessa área através de um doutoramento em conjunto, mas que será atribuído pela UM. Não sei se existem outros casos, mas conheço o do Centro de Ciência e tecnologia Têxtil da Escola de Engenharia, o 2C2T. É um doutoramento pago, à Universidade e aos docentes. Põe-se logo a questão: se é pago, admite que algum dos seus doutorandos não obtenha o título de doutorado? A universidade de Maringá, Brasil, neste caso específico, espera que alguns dos seus professores voltem sem doutoramento depois de pagar? Há uma outra questão que se coloca e que há muito que eu ponho em causa: a formação de base dos alunos. Não sei como é nos outros centros, mas no caso do 2C2T entram alunos com os mais diversos currículos para o doutoramento em Engenharia têxtil, desde design a gestão. Deu-se o caso de há uns anos admitirem um aluno com contabilidade como área principal do seu currículo. Como me demiti nessa altura do Conselho de Cursos do PDET, Programa de Doutoramento em Engenharia Têxtil, considerando que esta era a gota de água, não sei que outros CVs têm sido admitidos. Sei que o Design tem sido admitido como currículo até porque houve recentemente doutoramentos na área do design que foram admitidos como doutoramentos em Engenharia Têxtil. A justificação é que não existe doutoramento em Design Têxtil. Depois do escândalo do doutoramento em Engenharia Têxtil que foi plagiado, também por ser numa área que se prestava a isso, Marketing, mais uma que se admite como Engenharia Têxtil, pensar-se-ia que no 2C2T se "navegaria" com mais cuidado. A questão é que no caso do doutoramento plagiado, não houve qualquer sanção aos envolvidos, nem qualquer demissão. Os mesmos continuam à frente do centro e os professores envolvidos continuaram a distribuir diplomas, em tudo igual, baseados em estudos de mercado, estatísticas e outras ferramentas que de originalidade não têm nada(veja-se o artigo de opinião de Vasco Eiriz em Empreender). Na altura o reitor e presidente de Escola afirmaram que iriam atuar. Ficou-lhes bem. Mas o tempo tratou de fazer esquecer e o risco de acontecer outra vez continua. É o que acontece quando se facilita. E voltamos ao assunto de início: facilitar, ajuda quem? O próprio é evidente. Mas a instituição em causa, e por último a imagem do ensino superior e do País? Com a ideia que os países do norte da Europa já têm dos portugueses que acham pouco gostam de trabalhar, muito por causa da dívida que acumulámos, este tipo de atitude vem mesmo a calhar para provar a sua teoria.