sábado, agosto 23, 2014

O Algarve que (não) temos

Perdeu-se algures o espírito do Algarve de outros tempos. Aquilo que era mais apetecível, as praias, tornou-se num mar de gente ávida de ocuparem a areia ou as espreguiçadeiras dos hotéis e num dormitório temporário dos chamados turistas de massas. O Algarve já foi orgulhoso com as suas praias pristinas e os seus produtos originais, separado do resto do país por uma barreira natural, a serra do caldeirão, que noutros tempos o tornava suficientemente isolado para os que lá moravam se sentirem algarvios e os que se aventuravam pela serra para passarem um mês de férias numa pensão uma numa casa alugada se sentirem turistas na sua terra, usufruindo dos bens locais e interagindo com os residentes algarvios.
Agora parece o inverso. Comunidades de turistas do norte da europa, sendo os britânicos a maior colónia residente de estrangeiros, vivem num mundo à parte, relacionando-se quase exclusivamente uns com os outros, comprando em lojas também deles, utilizando de preferência os seus conterrâneos como fornecedores (construtores de piscinas, talhos, etc). Muitos não pagaram os impostos que os locais tiveram que pagar na compra da casa e nem pagam IRS. Vivem numa região e num país para a qual pouco contribuem. No entanto quando necessitam de cuidados de saúde utilizam os hospitais públicos além dos privados, um serviço pago por todos os portugueses. Não sei se pagam IMI sequer. Muitas das suas casas forma compradas por off-shores fugindo desta forma aos impostos. Tudo isto com a complacência das autoridades. No inverno os turista são outros: os idosos de países do norte da Europa que se estabelecem nos hotéis a preços abaixo do que pagariam de contas de eletricidade nos seus próprios países. A hotelaria habituou-se nas últimas década de tal ordem a estes clientes, que os clientes de verão, muitos portugueses, têm que gramar com comida ao gosto dos ingleses e outros estrangeiros europeus, que têm por base alimentar o borrego assado, o filete de peixe tipo perca, os "beans", a salsicha, etc. A gastronomia portuguesa está remetida para um dia em que se anuncia qualquer coisa como sardinhas assadas ou outras coisas menos nobres da nossa gastronomia. Mais uma vez tudo para que os portugueses se sintam estrangeiros na sua própria terra.
Claro que também há os hotéis de 5 estrelas e os restaurantes com 1 ou até 2 estrelas Michelin, ou as "villas" em condomínios mais ou menos fechados. Mas nesses os algarvios só entram como ajudantes de cozinha ou empregadas de limpeza e de quartos, muito como o fazem na Suíça e França, pelo que podem ser considerados como parcelas dessas economias mais evoluídas em território nacional. Só falta pedir o passaporte para ter poder entrar em alguns desses locais (veja-se por exemplo Vale de Lobo com segurança privada em todo o resort). Há ainda os letreiros em inglês, os pubs, o turismo de habitação pertencente a estrangeiros que angariam pessoas do seu país, enfim, toda uma economia paralela que foge em grande parte ao controlo das autoridades e principalmente ao controlo político regional.
A sazonalidade no Algarve é outro problema. Uma região quase totalmente dependente do turismo, não consegue dar aos seus naturais trabalho fora dos meses de estação alta. Não se investiu em mais nada que não o turismo, muito incentivado por programas de incentivos europeus. As pescas pelo contrário, desde o tempo de Cavaco Silva como primeiro ministro, ele próprio um algarvio, que se veem abatendo barcos em troco de subsídios para não se fazer nada.
Com o continuar da crise nacional e o poderia económico dos norte-europeus, e com a sua continuada vontade de viver em países do sul da Europa, devido ao seu clima, ou o Algarve dá uma grande reviravolta e se protege, pela mão dos algarvios conscienciosos e do governo, ou os outros, turistas e parasitas, incluindo alguns algarvios oportunistas, o virarão do avesso, se é que já não o fizeram, transformando-o num conjunto de kibutzs de vários países do norte da Europa, com predominância para o britânicos, ficando os algarvios remetidos a uma faixa "de Gaza". Afinal, muito antes da existência da faixa de Gaza,  foi assim que se fundou o estado hebraico, pela mão dos britânicos.